Mt. 5. 21 – 26
INTRODUÇÃO – Creio que a maioria de nós já memorizou a forma como o pecado é definido pelo Breve Catecismo, a partir do modo como ele nos é apresentado na Escritura.
O Breve Catecismo, em sua questão de número dezesseis, o define como sendo “... qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer transgressão desta lei.”.
É bom que saibamos por onde começar ao lidar com o modo como o pecado é tratado por Deus. Mas, não basta que tenhamos um posicionamento apenas teórico. É preciso ir mais além, ilustrando o problema do pecado da seguinte maneira: “Com eles aconteceu o que diz certo adágio verdadeiro: O cão voltou ao seu próprio vômito; e: A porca lavada voltou a revolver-se no lamaçal.” 2 Pe. 2:22
Agora, observe o contexto imediato que envolve o versículo acima em 2 Pe. 2. 9 – 22. Não é preciso fazer uma reflexão demorada a respeito da forma como Pedro define a prática do pecado. Na realidade, nós mesmos encontraremos uma séria dificuldade para considerá-lo do modo abominável como Deus o vê. Digo isto pelo fato de sermos pecadores e assim como o cão e o a porca aos quais Pedro se refere, nós, na qualidade de pecadores, temos uma natureza que o deseja, que o quer e isto nos impede de abominá-lo do mesmo modo como Deus o faz. A não ser que nossa comunhão com Ele esteja num patamar bem mais elevado que as debilidades de nossa velha natureza, não o abominaremos e nem o consideraremos como Deus requer de cada pessoa regenerada.
Jesus não está requerendo nada menos do que a abominação e o abandono do pecado se, de fato, compreendemos o quanto ele é grave aos olhos de Deus.
Isto se nota pela referência que Cristo faz sobre uma espécie de mutilação.
I – O SENTIDO DA MUTILAÇÃO
Como devemos compreender o que está no vs. 29? “Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um de teus membros e não seja todo o teu corpo lançado no inferno.”.
Nos tempos do Novo Testamento, a mão direita e o olho direito eram tidos como mais importantes que o olho esquerdo e a mão esquerda. Logo, Cristo se valeu desse conceito popular para dizer que “se os membros mais preciosos fossem motivo para a terrível prática do pecado, então eles deveriam se livrar deles”.
O princípio ensinado aqui vale para qualquer época e qualquer cultura. Ele ensina que não importa quão valiosa uma coisa possa representar para nós. Se ela se configurar em algum tipo de armadilha a ponto de nos levar a tropeçar, então é preciso ficar livre dela, em função da preservação do que Deus requer de nós, ou seja, que sejamos achados “puros, imaculados, sem defeito” Ef. 5. 27.
II – COMO LIDAR COM O PROBLEMA DO PECADO
Como já foi dito anteriormente, não estamos lidando com atitudes pecaminosas isoladas mas, com o estado da natureza humana. Nas palavras de Lloyd Jones “... está em vista a poluição que se oculta em nossos corações, esta força distorcida que em nós existe, esses poderes malignos que vieram residir em nossas naturezas, em resultado da queda no pecado.”
Jesus apontou alguns itens como alvo de nossa investigação e cuidado:
a) A natureza do pecado e as suas conseqüências – Toda aversão a regras, normas e leis que se observa através dos séculos, os movimentos perfeccionistas, dentre outros desvios, surgiram em função do falso conceito sobre o pecado desenvolvido através do tempo, ou seja, mesmo que alguém não esteja praticando algum ato evidente e inquestionavelmente pecaminoso, a sua natureza continuará sendo humana e pecaminosa. É preciso lembrar que o princípio é: “pecamos porque somos pecadores”. Eis porque Jesus chegou a suar gotas de sangue e a suportar toda a agonia e sofrimento até ser cravado na cruz deixado ali pra morrer. Somente isto poderia desviar os olhos de Deus de algo ilustrado pelo apóstolo Pedro como nada menos que a natureza do cão e da porca. Não o vômito ou o lamaçal mas, a própria natureza que se inclina para os desejar. Deste modo, Jesus desviava o foco de atitudes isoladas como sendo o fator preponderante e lançava seus ouvintes a investigarem a fonte de onde surgia o adultério, passando pelo pensamento e penetrando até o coração. Do mesmo modo como as figuras utilizadas por Pedro nos causam uma certa ojeriza, assim também devemos encarar a gravidade do pecado estampada naqueles momentos angustiantes e de toda a crueldade que envolveu a morte do Senhor Jesus;
b) Outro item apontado por Cristo diz respeito à importância da alma e do seu destino. Isto se nota quando nos é dito: “... pois te convém que se perca um dos teus membros e não vá todo o teu corpo para o inferno” (Mt. 5.30). Jesus fez esta colocação por duas vezes a fim de enfatizar a questão. Ele mostrou que a alma excede a importância de um membro que nos faça pecar. Isto vai muito além do aspecto físico. Há inúmeras coisas em nossa vida que podem se constituir verdadeiros obstáculos para o nosso progresso espiritual, ao mesmo tempo em que também são verdadeiros tropeços em nossa vida. Por isso nos é dito para “arrancá-los, deixá-los de lado”. Isto está em perfeita harmonia com o que está registrado em Hb. 12.1. Além disto, Cristo coloca a questão de um modo ainda mais incisivo ao dizer: “Se alguém vem a mim, e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc. 14. 26). A maneira como Lloyd Jones comenta esta passagem é muito esclarecedora. Ele diz: “Isso quer dizer que não importa quem ou o quê se tenha interposto entre nós e o Senhor, caso seja prejudicial às nossas almas, então deveria ser abominado e eliminado. Contudo, isso não significa, necessariamente, que o crente tenha de odiar aos membros de sua família. É obvio que não, pois nosso Senhor ensinou-nos a amar até nossos próprios inimigos. Mas simplesmente está em pauta o fato que qualquer coisa que milite contra a alma e a sua salvação não passa de um adversário, devendo ser tratada como tal. O erro consiste em abusarmos dessas coisas, de colocá-las na posição errada; isso é errado e esse é o ponto que Jesus enfatiza aqui.” Deste modo fica claro que toda a nossa vida, nossos relacionamentos, o que fazemos e o que procuramos ser no mundo deve se orientar pelo que Deus determina que sejamos e façamos no presente, no futuro e por toda a eternidade. Fica, portanto, definitivamente claro que nada deve se interpor entre nós e o destino eterno de nossas almas. Apesar da vida presente estar revestida de importância, Cristo, de certo modo, mostra que, se for preciso, ainda que nos tornemos “aleijados” agora, precisamos nos assegurar que chegaremos na presença do Senhor revestidos daquele corpo de glória, sem defeito e sem mácula. Não é exatamente isto que nos é ensinado em Mt. 16. 26? “... que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?...” e ainda mt. 10. 28, onde se diz: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo”.
c) O terceiro ponto que Cristo enfatiza diz que devemos odiar o pecado, fazendo tudo quanto estiver ao nosso alcance para que o peado seja destruído dentro de nós mesmos. Isso só será possível se tivermos sensibilidade suficiente para considerar mal e pecaminoso o que, de fato, o é. Para isto, este olhar “clínico” só terá valor se estiver em harmonia com a análise de Deus. Assim sendo, devemos, de algum modo, examinar o pecado, lendo sobre ele no modo como nos é ensinado nas Sagradas Escrituras e, conseqüentemente, odiá-lo, envidando todo esforço para fazer morrer esta natureza terrena tão abominável quanto os seus atos (Cl. 3. 5).
d) Outro elemento apontado por Cristo diz respeito à necessidade de termos um coração limpo e puro, isento de comcupiscências. Isto é mais do que abandonar certas práticas. É ter, continuamente, o coração, a natureza, o caráter, modificados segundo os moldes e as características de Cristo. Este deveria ser o maior desejo de todo cristão, ou seja, possuir um coração livre da amargura, da inveja, do ciúme, do ódio, do desrespeito, da incredulidade, da falsidade, da mentira etc. Nos referimos àquele coração humilde, manso, que tem fome e sede de justiça, que é misericordioso, pacificador etc. Observe que tudo indica para a qualidade do coração e não se atém apenas às atitudes mas, a tudo quanto somos capazes de fazer em decorrência da natureza que habita em nós. Estamos reiterando que o foco é o coração, um estado que somente Deus conhece. Estamos tratando de uma natureza que mesmo sendo “desesperadamente corrupta” (Jr. 17. 9), ninguém é capaz de perceber. Tal pessoa pode parecer perfeitamente respeitável posto que somente Deus lhe conhece o coração. Somente Ele pode enxergar tudo de horrendo, feio, imundo e sórdido que, porventura, esteja instalado ali.
e) Em último lugar, destacamos a importância da mortificação do pecado. Além de Cl. 3. 5, o mesmo ensino está registrado em Rm. 8. 13 onde lemos: “Porque se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se pelo Espírito mortificardes os feitos do corpo, certamente vivereis”. Além disto, o próprio apóstolo Paulo se reporta a si mesmo da seguinte maneira: “Mas esmurro o meu corpo, e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado.” (I Co. 9. 27). Em Rm. 13. 14 ele diz mais ainda: “... nada disponhais para a carne, no tocante à suas concupiscências.”. Todos estes textos, além de outras passagens que tratam do mesmo assunto, ensinam que jamais devemos dar “munição” à carne. Não devemos “nutrir” a velha natureza; e há muitos modos de se fazer isto. Quer seja assistindo a um programa de TV, tendo aquela conversa inconveniente e inadequada, difamando, caluniando, usando termos chulos e de baixos calões, gírias, demonstrando interesse por atividades que não dão qualquer contribuição para a nova natureza ou sequer se prestam para uma simples e saudável distração e prazer saudáveis. Lloys Jones diz: “não olhemos essas coisas; pelo contrário, ‘arranquemos o olho direito’”. Ainda que, a pretexto de não ser ignorante sobre certos assuntos, é melhor que permaneçamos adultos no entendimento e meninos na malícia, conforme orienta o apóstolo Paulo em I Co. 14. 20. Isto também é posto de um outro modo em I Ts. 5. 22.
CONCLUSÃO – Em última análise, fica totalmente claro que o nosso foco deve ser mantido sobre o estado de nosso coração e não apenas em atos isolados que cometemos aqui ou ali, hoje ou amanhã. É preciso investir naquele processo que nos torna melhores do que já fomos e enxerga a necessidade de avançarmos ainda mais nos “degraus da santificação”, sabendo que somos, hoje, menos do que seremos amanhã. Isto está bem posto em fp. 2. 12 e 13, na medida que Paulo diz: “... desenvolvei a vossa salvação com temos e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade”.
Compreendendo que o ensinamento desta passagem envolve mais do que atitudes humanas isoladas, constatamos que Cristo está lançando Seu olhar para a fonte de onde brotam todas as nossas atitudes. Ele atinge as nossas intenções, levando-nos a avaliar o nosso próprio caráter e nos ensina que, antes mesmo de chegarmos a uma conclusão acerca de nossas atitudes, precisamos conhecer a qualidade de nossa alma, o estado de nosso espírito e investirmos nesta fonte de onde emana tudo o que pode ser visto pelos homens, lembrando que o crivo primário é sempre Deus que nos aprova ou nos reprova antes de aprovar ou reprovar nossos atos, assim como pode ser visto em Gn. 4. 4 e 5, 7.
Que o Senhor mesmo nos auxilie nesta difícil tarefa de avaliarmos a nós mesmos com imparcialidade e priorizarmos o que é prioridade através dAquele olhar que tudo vê e a tudo perscruta cf. Pv. 15. 3 e Sl. 139.