28 dezembro 2009

O FOGO QUE NÃO POSSO APAGAR

“...Vede como uma fagulha põe em brasas tão grande selva!” Tg. 3. 5


Quando se é convocado para fazer um balanço a respeito do passado próximo, vivido ao longo de mais um ano, é muito comum se ater às atitudes. Coisas que foram feitas e outras que ficaram por fazer. Não se observa muito o comportamento de se abrir um pouco mais o leque e avaliar o que dissemos e o que deixou de ser dito.

Em ambos os casos, deve-se incluir o que tornou nossa vida melhor e contribuiu para melhorar a qualidade de vida de quantos se relacionam conosco, assim como também é preciso ser honesto o suficiente para admitir o quanto ficamos prejudicados por nós mesmos, por nossas atitudes e por nossas palavras. Mais do que isto. É preciso ser honesto bastante para reconhecer o grau de prejuízo que causamos a outros que confiaram em nós, em nossas atitudes e em nossas palavras.
Certamente é muito difícil rever situações já concretizadas e que precisam ser modificadas, posto que, em muitos casos a situação é irreversível, principalmente em relação ao que foi dito.

Normalmente, não se pode voltar atrás, desfazer qualquer dano que tenha sido ocasionado por algo que falamos. Entretanto, não será uma análise correta se não considerar seriamente esta realidade.

Note que, segundo o que está posto por Tiago, a questão é tão importante que se compara ao fogo e à floresta. Tenha-se por base as grandes queimadas ocasionadas pelo rigoroso calor do verão australiano e americano. É difícil saber onde e como começou; entretanto, as proporções dos estragos são de causar pavor e tudo que o fogo consumiu nunca mais será como antes.

Eis o modo como devemos enxergar o que não deveria ter sido dito, que não trouxe qualquer edificação pessoal e alheia, que inflamou a mim mesmo e a outrem, que contribuiu para separar pessoas em vez de uni-las, que maculou a imagem de alguém em vez de enobrecê-la, que produziu ódio em vez de amor, que criou novos inimigos em vez de amigos, que destruiu em vez de construir.

É um fogo que não se pode apagar. É algo que pode apenas ser amenizado por torrentes de águas derramadas para apagar as chamas em detrimento de não aniquilar as cinzas que elas deixam. É um dano que só se pode solucionar pelo perdão. Atitude esta que, obviamente, é precedida pela sensibilidade necessária para admitir que eu incendiei, eu falei ou então, também pode ser totalmente descartada se eu simplesmente ignorar as chamas que se avultam em volta de mim e a desgraça que me acometeu e que consome pessoas que eu deveria edificar.

Neste pequeno e simples balanço, é provável que cheguemos à conclusão de que falamos mais do que ouvimos. Isto será muito natural. Está arraigado em nós. Está posto de modo muito claro em Tiago 3. 2, onde se diz: “Se alguém não tropeça no falar é perfeito varão, capaz de refrear também todo o seu corpo.”.Ele diz ainda mais: “a língua,..., nenhum dos homens é capaz de domar; é mal incontido, carregado de veneno mortífero. Com ela bendizemos ao Senhor e Pai; também como ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus:” (8 e 9).

A partir desta realidade comum a todos os mortais, resta apenas refletir sobre a nossa propensão quanto ao falar e computar os “lucros” e os “prejuízos” a fim de se tomar alguma atitude e ser livre do veredito constante no versículo 6, onde ele diz: “... e não só põe em chamas toda a carreira da existência humana, como é posta ela mesma em chamas pelo inferno.”
Se eu sou responsável por um fogo que já não posso apagar, então eu preciso, pelo menos ter a humildade para suplicar perdão e também perdoar.

Que Deus faça de nossos lábios uma fonte a jorrar água doce suficiente para apagar os malefícios que acompanham águas amargas, a ponto de rogar continuamente: “Põe guarda, SENHOR, à minha boca; vigia a porta dos meus lábios.” Sl. 141. 3.

Rev. Marcos Martins Dias

22 dezembro 2009

TUDO SE RESOLVE COM A BÍBLIA

TEXTO BÁSICO: II Tm. 3. 16 e 17

“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.”

16 πᾶσα γραφὴ θεόπνευστος καὶ ὠφέλιμος πρὸς διδασκαλίαν, πρὸς ἐλεγμόν, πρὸς ἐπανόρθωσιν, πρὸς παιδείαν τὴν ἐν δικαιοσύνῃ, 17 ἵνα ἄρτιος ᾖ ὁ τοῦ θεοῦ ἄνθρωπος, πρὸς πᾶν ἔργον ἀγαθὸν ἐξηρτισμένος.


INTRODUÇÃO – Em decorrência do contexto em que a igreja cristã se encontra em termos gerais, observamos a existência de um certo consenso de que ela precisa de um tipo de “reforma” ou, numa outra linguagem empregada por muitos líderes, de um “reavivamento”.

Entretanto, como podemos nos encontrar perante este dilema quando dispomos dos mais avançados meios de nos aprofundarmos no conhecimento bíblico, incluindo literaturas, seminários, congressos, homens e mulheres da mais alta credibilidade e gabaritados o suficiente para nos auxiliar em todas as questões relativas ao entendimento que se deve ter da vida cristã no modo como a Bíblia a descreve?

Além desta inquietante incógnita, há também uma circunstância agravante que aponta para outro problema: a confiança de que todos são teólogos, em algum grau a ponto de, despercebidamente se sobreporem a própria autoridade das Escrituras, fazendo com que se viva satisfeito com histórias bíblicas favoritas, versículos, porções isoladas, textos memorizados e o contentamento com algum conhecimento doutrinário das verdades bíblicas.

Certamente a facilidade com que se obtém variadas literaturas com temas populares e acessíveis ao público, o problema se agrava, posto que, geralmente, tais “devocionais” tratam de versículos isolados, acompanhados de histórias pessoais que desviam o foco do que a Bíblia se propõe a dizer.

Diante desta realidade, imperceptivelmente, nota-se que o dia a dia é seguido de decisões, comportamentos, conceitos, avaliações etc., muito mais baseados em opiniões particulares e ou populares, como se o fato de se pertencer a igreja se constituísse em credencial para se estar certo acerca da vida em seu modo mais abrangente. Além disto, há que se considerar também o velho problema dos questionamentos relativos às autoridades eclesiásticas e sua condição de interpretar e expor os ensinamentos bíblicos. Este problema foi experimentado pelo Povo de Deus ao longo de toda a sua história, ou seja, sempre houve muitos que, consciente ou inconscientemente se auto qualificaram como “mestres”, menos dispostos para ouvir e muito mais prontos para falar, ao mesmo tempo em que questionaram os profetas, os apóstolos e o próprio Mestre.

Certamente todos devemos conhecer as Escrituras e fazer uma auto-análise na condição de aprendizes, sempre dispostos a refletir e reavaliar nossa vida.

Nosso propósito neste estudo é levar-nos a fazer uma análise da postura que temos assumido perante tal contexto e se podemos estar seguros de que o estado em que nos encontramos está amplamente amparado na Palavra de Deus, desde as questões particulares e individuais até as públicas e coletivas.

Nas conhecidas epístolas pastorais encontramos o apoio de que precisamos para fazermos esta necessária e urgente análise, a partir do texto que se encontra em II Tm. 3. 15 e 16.


O AUTOR E O DESTINATÁRIO

Os textos de I Tm. 1. 1 e 2 e II Tm. 1. 1 e 2 não deixam dúvidas sobre este ponto:

“1Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, pelo mandato de Deus, nosso Salvador, e de Cristo Jesus, nossa esperança, 2a Timóteo, verdadeiro filho na fé: Graça, misericórdia e paz, da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Senhor.” I Tm. 1. 1 e 2

“1Paulo, aposto de Cristo Jesus, pela vontade de Deus, de conformidade com a promessa da vida que está em Cristo Jesus,2ao amado filho Timóteo: Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus nosso Senhor.”


BREVE ANÁLISE CONTEXTUAL

A epístola foi escrita por volta de 63 dC, ocasião em que Paulo estava preso e, segundo afirma no final da segunda epístola, considerava sua vida próxima do fim. Em seu escrito, o apóstolo demonstra uma grande preocupação quanto à necessidade de Timóteo cumprir seu ministério, piedosa e responsavelmente.

Timóteo, por sua vez, encontrava-se em Éfeso, ainda com pouca experiência ministerial e também com idade que o destaca como “um pastor jovem”, o qual recebeu de Paulo, instruções específicas sobre o ministério, envolvendo o culto, as qualidades do bispo e do diácono, o confronto de falsas doutrinas, o cuidado de sua vida pessoal, o modo como deveria lidar com os crentes (viúvas, idosos, servos, falsos mestres etc.).

Todas essas instruções estavam amparadas na infalibilidade dos Escritos Sagrados e sua indispensável utilização na observância de seu pastorado.

Assim sendo, o texto enfocado neste estudo está posto como uma espécie de linha mestra para a condução do assunto.

“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.”


TUDO SE RESOLVE COM A BÍLBIA

I – “Toda Escritura ...”, “a totalidade da Escritura” –γραφὴgrafê - escrito, Escritura.
Embora o termo original possa se referir a “escritos em geral”, (um livro, um texto, uma carta etc.), existe um consenso que define o termo como se referindo ao Velho Testamento. Isto não quer dizer que Paulo deu menos importância ao Novo Testamento e muito menos que o tenha excluído de seu pensamento. É sabido que o V.T. é explicado pelo N.T., é completado por ele, tem o cumprimento de várias profecias registradas nele etc., da mesma forma que o N.T. não tem qualquer sentido se analisado à parte do V.T.
Calvino avalia esta questão da seguinte maneira: “... no que tange a substância da Escritura, nada se acrescentou. Os escritos dos apóstolos nada contem além de simples e natural explicação da lei e dos profetas juntamente, com uma clara descrição das coisas expressas neles.”

II – “... é inspirada por Deus...” - θεόπνευστος- Theópneustos – “aspirado por Deus, inspirado por Deus. O ensino rabínico dizia que o Espírito Santo pairava sobre e nos profetas, e falava através deles de modo que as palavras deles não eram deles mesmos, mas provinham da boca de Deus, e eles falavam e escreviam no Espírito Santo.”
Uma outra tradução aceitável é “Toda Escritura inspirada é também útil”. Vários comentaristas preferem esta última, afirmando que além de Timóteo não apresentar qualquer dificuldade quanto a inspiração divina das Escrituras, o objetivo de Paulo era ressaltar a utilidade do V.T.
Por outro lado, existe a opinião de que a intenção em reforçar a autoridade divina do A.T. é um fato, considerando que Paulo desejava sim ensinar que ela é inspirada por Deus. Assim, segundo Calvino, os homens devem recebê-la com reverência, ou seja, devemos a ela a mesma reverência devida a Deus.
No nosso caso, isto serve para alertar-nos quanto à maneira zelosa, ao estudo sério, a reflexão devida, ao conhecimento adequado, à manipulação apropriada do Livro Sagrado, considerando que estamos lidando com palavras proferidas pela boca de Deus mesmo.
Também nos leva a tê-la em elevada consideração, acima de toda e qualquer literatura, tratando-a como um dos legados divinos mais preciosos de que dispomos nesta vida. Mais desejáveis do que muito ouro depurado (Sl. 19. 10).

III – “... e útil...” - ὠφέλιμοςofélimos – útil, proveitoso .
Destaco aqui, alguns pontos abordados por Calvino em seu comentário sobre o texto:
“1. A Escritura contém a perfeita norma de uma vida saudável e feliz;
2. A Escritura é corrompida por um pecaminoso mau uso quando este propósito da utilidade não é buscado nela;
3. É errôneo usá-la de forma inaproveitável”

Segundo ele afirma ainda, “..., o Senhor não pretendia nem satisfazer nossa curiosidade, nem alimentar nossa ânsia por ostentação, nem tampouco deparar-nos uma chance para invenções místicas e palavreado tolo; sua intenção,..., era fazer-nos o bem.... assim, o uso correto da Escritura deve guiar-nos sempre ao que é proveitoso.”

Creio que não seria absurdo dizer que, embora a igreja saiba que a Bíblia é a Palavra de Deus, que deve ser sua única regra de fé e prática, é inerrante e infalível etc., embora a igreja esteja envolta por todas essas premissas fundamentais, surge então a desconfortável e inquietante questão sobre o que pode estar acontecendo em diversas situações onde prevalece o pensamento individual ou mesmo coletivo, sem a consideração desta realidade de propósito o que, naturalmente exige grande esforço de quem se inclina a observar criteriosamente o que ela preceitua, demonstrando o reconhecimento de que é terrivelmente perigoso lidar com a vida sem submetê-la ao crivo bíblico, o que é o mesmo que submetê-la as determinações e vontades de Deus mesmo.

O fato é que, ainda que o que se sabe sobre a Escritura e sobre Deus permaneça em uma certa superficialidade, a questão do “propósito”, em muitos casos, consciente ou inconscientemente, não é tida como prioridade nos critérios de avaliação própria e alheia, na visão crítica que se tem de si mesmo e de tudo quanto envolve todas as esferas da vida humana.

Quando se perde de vista esta questão do “propósito”, perde-se o equilíbrio que deve caracterizar a vida cristã, ao passo que na medida em que se mantém focado neste elemento norteador, todas as coisas permanecem alinhadas com a vontade preceptiva de Deus.

IV – “... para o ensino,...” - διδασκαλίανdidaskalían – ensino, doutrina; “doutrina” em contraste com qualquer simples instrução. Além disto, nestas epístolas, “doutrina” indica o “cristianismo ortodoxo”, a “doutrina paulina ortodoxa.” Neste versículo, entretanto, devemos compreender o vocábulo como toda e qualquer forma de “instrução”, sobre questões doutrinárias e práticas.

É sabido que toda a ética, comportamento, palavras, atitudes enfim, toda prática que se observa no ser humano, decorre da leitura que se faz da vida, do que se compreende acerca dela, das convicções como dissemos anteriormente, do que se absorve mentalmente. Por isso, nós nos tornamos aquilo que pensamos. Isto está posto claramente em Rm. 12.2, onde Paulo diz: “... transformai-vos pela renovação do vosso entendimento.”

Também é verdade que a doutrina desprovida de sua consecutiva observância torna-se algo frio, sem vida, exaustivo. Não é em vão que o interesse pelo ensino, pela doutrina tem se tornado o desejo de um número inexpressivo quando comparado ao todo (crentes e incrédulos). Isto se harmoniza com a explicação dada por Jesus sobre a parábola do semeador. Em Lc. 8. 10 está escrito: “Respondeu-lhes Jesus: A vós outros é dado conhecer os mistérios do reino de Deus; aos demais, fala-se por parábolas, para que, vendo, não vejam; e, ouvindo, não entendam.”

Calvino falando ainda sobre o caráter divino das Escrituras, afirma:
“O mesmo Espírito que deu certeza a Moisés e aos profetas de sua vocação, também agora testifica aos nossos corações de que ele tem feito uso deles como ministros através de quem somos instruídos. E assim não é de estranhar que muitos ponham em dúvida a autoridade da Escritura. Pois ainda que a majestade divina esteja exibida nela, somente aqueles que têm sido iluminados pelo Espírito Santo possuem olhos para ver o que deveria ser óbvio a todos, mas que, na verdade, é visível somente aos eleitos.”

Deste modo será perfeitamente compreensivo se contemplarmos um número maior de desinteressados pelo ensino, pela doutrina do que os que são ávidos por ela. Note a estreita relação deste assunto com os seguintes textos:

1. II Tm. 4. 3 e 4 – “Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos a verdade, entregando-se as fábulas.”

2. Sl. 19. 7 – 14 – “A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices. Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o mandamento do SENHOR é puro e ilumina os olhos. O temor do SENHOR é límpido e permanece para sempre; os juízos do SENHOR são verdadeiros e todos igualmente, justos. São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos. Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há grande recompensa. Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas. Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão. As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, SENHOR, rocha minha e redentor meu!”


3. I Pe. 2.2 – “desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que, por ele, vos seja dado crescimento para salvação,”

4. Tg. 1. 21 – “Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma.”

5. Is. 55. 11 – “assim será a palavra que sair da minha boca; não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei”

Embora haja inúmeros textos que lançam luz sobre a importância do ensino e do seu propósito, também pode-se verificar o caráter múltiplo da atitude humana diante das inesgotáveis riquezas contidas na Escritura, seja de reprovação, de indiferença, de uso inadequado, de iluminação clara e desejo ardente de conhecê-la, dentre outros modos de enxergá-la, considerá-la e tratá-la, bem como a leitura que se faz acerca da finalidade para a qual foi escrita.

Precisamos refletir sobre o modo como temos compreendido o “ensino” a fim de preservar o foco para o qual a igreja deve estar voltada, permanecendo centrados na Escritura e não permitindo que ninguém ou nenhuma outra coisa substitua a doutrina que dela emana.

Há muitos elementos que servem como exemplos do modo como Deus nos tem ensinado por meio de Sua Palavra; entretanto, quando essas ilustrações, “testemunhos”, experiências pessoais assumem o centro do que se deve dizer então, perdeu-se o propósito primário das Escrituras, ou seja, o ensino.

Se por um lado, neste texto, o ensino vem acompanhado de outros elementos que dele resultam, sua deturpação, seu desvio, esvaziamento etc., certamente resultará em fraqueza, descaracterização da igreja como tal, inanição espiritual, improdutividade individual e coletiva etc.

V – “..., para a repreensão,” - ἐλεγμόνeléimon – repreensão, correção, ou seja, para refutar o erro e repreender o pecado .

Tem o sentido de “prova”, “evidência”. Também indica a “convicção”, a “condenação” de um criminoso, ou então a “reprimenda”, “punição”.

O cristão sabe que a Escritura tem um valor “corretivo”. Ela denuncia suas próprias transgressões e as de outrem.

Neste texto, existe a compreensão de que a idéia aponta para corrigir “ensinamentos falsos” e os “falsos mestres”.

Creio que não existe a necessidade de optar por uma delas, posto que tanto a difusão de um ensino falso como aquele que o dissemina são uma terrível transgressão.

Isto lança por terra qualquer possibilidade para o relativismo. Não apenas nos moldes radicalmente interligados ao liberalismo teológico mas, também em escalas menores, no modo como se define “erro” e “pecado” no dia a dia, em coisas que podem ser consideradas “comuns” e que, do ponto de vista escriturístico, não são “normais” com relação ao perfil da igreja de Jesus Cristo, ou seja, a correta compreensão da Escritura fornece subsídios para decidir entre o certo e o errado, o bom e o ruim, o bem e o mal, o sagrado e o profano etc.

Por outro lado, qualquer desvio do sentido original dado por Deus à Sua Palavra, certamente poderá abrir espaço para tolerar o intolerável, para ceder lugar a prática contínua do erro e a inclinação deliberada para o pecado.

A igreja tem sido alvo, ao longo de sua história, do uso irresponsável das Escrituras por parte de homens e mulheres que se destacam por sua boa retórica, seu carisma, seu forte poder de persuasão, os quais não se dão ao trabalho de se debruçar sobre a Bíblia para saber o que ela tem a dizer; pelo contrário, submetem-na a interpretações mais convenientes, por vezes, na intenção de popularizá-la, não como Lutero fez mas, a pretexto de considerá-la um Livro de fácil acesso, empobrecem a riqueza de seu conteúdo pelo modo preguiçoso como a manipulam.

Halley, comentando este texto diz o seguinte:

“A desconsideração que em geral se vota à Bíblia, atualmente, é de estarrecer. Muitos líderes proeminentes da Igreja, não somente negligenciaram a Bíblia, mas com orgulho intelectual, em nome da “moderna erudição”, recorrem a todos os meios imagináveis para solapar sua divina origem e jogá-la para um lado como colcha de retalhos do “pensamento hebreu””.

Isto se agrava quando tal atitude se mistura àquelas experiências subjetivas que ganham força quando se sobrepõem à Palavra de Deus, conduzindo ao erro não somente os que se destacam como líderes mas também aqueles que se transformam em seguidores e admiradores fiéis desta casta réproba, a qual, faria menos mal se assumisse um status de neutralidade na igreja e que, entretanto, produz danos de proporções incalculáveis nos mais variados âmbitos do contexto eclesiástico, se aproximando do que foi dito por Jesus em relação aos fariseus: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque rodeais o mar e a terra para fazer m prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós!” Mt. 23. 15.

Embora seja doloroso saber que tal situação está perfeitamente alinhada às profecias relativas aos últimos dias, precisamos lidar com, pelo menos três realidades quase insuportáveis: 1. A consciência que falsos mestres têm acerca de quem eles realmente são e do que fazem deliberadamente; 2. A inadmissão por parte de um falso mestre de que ele é e faz o que está claramente reprovado nas Escrituras; 3. O sofrimento de lidar diária e continuamente com modismos, os quais, induzem inumeráveis multidões para o precipício, sorridentemente, precisando suportar as afrontas e o questionamento que fazem sobre quantos se aplicam a assumir um posicionamento responsável, a abraçar o cristianismo com legitimidade, sem aquela euforia típica de quem busca inovações para motivar ou justificar seu entusiasmo exacerbado.

Embora Timóteo não estivesse lidando com os problemas típicos desta era pós moderna, os falsos mestres estavam lá. Diante desta desconcertante situação Paulo lhe diz: Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste. (II Tm. 3. 14)

Deste mesmo modo, nos é requerido que tratemos a Escritura com seriedade, responsabilidade, integridade e devoção, a reivindicação do direito de repreender os que se acham em transgressão por laborarem continuamente em erro incontestável. E, por mais desafiador que seja este confronto, é preciso recordar das sãs palavras de Jesus Cristo: Entrai pela porta estreita (larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz para a perdição, e são muitos os que entram por ela), porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela. Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? (MT. 7. 13 – 16).

VI – “... para a correção,” - ἐπανόρθωσινepanórthosin – “alinhar em direção, tornar reto, correção , aprimoramento , converter os mal orientados dos seus erros e de colocá-los no caminho certo outra vez

Na opinião de Calvino, “a única diferença entre “reprovação” e “correção” é que a segunda é resultante da primeira. Reconhecer nossa iniqüidade e encher-nos de convicção do juízo divino sobre ela é o princípio do arrependimento.”

Ao lidar com uma natureza que evidencia grandes dificuldades para admitir o próprio erro ao mesmo tempo em que se deixa engodar por meio de palavras lisonjeiras, ainda que carregadas de um terrível veneno corruptor, nos vemos entrincheirados, amordaçados, de pés e mãos atados, inquiridos sobre a veracidade do que pregamos e os pressupostos dos “julgamentos” que fazemos.

Eis o modo mais cruel de se anular qualquer possibilidade de correção, ou seja, questionar a precisão do julgamento que se faz, a relativização de conceitos absolutos, quando, na realidade, o que ocorre é o contrário do que está posto em Tiago 1. 21: “Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma.”

Embora seja paradoxal, mesmo concordando que todos erramos e, consequentemente, precisamos de correção ao longo de nossa vida, na prática, a relutância para se dar ouvidos às correções a que devemos nos submeter adquire força maior do que a consciência de qualquer desvio.

Obviamente que não se está invocando o recebimento irresponsável e inconsequente de correções improcedentes e desprovidas de qualquer fundamentação bíblica. Até porque, tal procedimento poderia ser considerado como uma tentativa de se “corrigir” o que já está certo, ou seja, seria uma indução ao erro a pretexto de observar o que está prescrito nas Escrituras.

É preciso considerar também que ninguém deve aspirar um tratamento superior àquele dispensado aos profetas, aos apóstolos, ao Mestre, aos pais da igreja, às autoridades que surgiram ao longo da história, ostentando a obediência irrestrita devida somente a Deus e Sua Palavra. Se rejeitaram a homens consideravelmente superiores às autoridades eclesiásticas de nossa época, se rejeitaram ao Mestre supremo, não darão ouvidos a quem quer que seja, a não ser pela mesma razão que receberam a Palavra em épocas anteriores, ou seja, pela ação exclusiva do Espírito de Deus.

Deste modo, a rebeldia inerente à natureza decaída precisa, primeiro, ser banida pela ação do Espírito Santo e então todos os caminhos estarão abertos e preparados para receber, amorosamente, a correção que provém da Palavra de Deus. Sem esta divina ação, o mínimo que se deve observar é a segurança de que a verdade está claramente posta e que cada um prestará contas a Deus de tudo quanto faz, seja nesta vida ou naquele momento ímpar de comparecimento perante o Supremo Tribunal divino.

VII – “para a educação na justiça,” - παιδείανpaidéia – “treinamento, instrução, disciplina” .

Esta expressão deve ser contemplada e analisada em consonância com outros textos como:

1. Sl. 1. 6: “... o SENHOR conhece o caminho dos justos”;
2. Rm. 8. 33: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica.”;
3. Rm. 5. 1: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”;
4. Ap. 22. 11: “Continue o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se;”

À luz do que está posto e, considerando que esta “educação na justiça” se aplica apenas aos que são declarados “justos”, fica claro que Deus, em Sua infinita misericórdia, nos deixou Sua revelação especial com o propósito de nos manter em caminhos justos.

Não cabe qualquer possibilidade de aplicar este texto ao ser humano em geral. Primeiramente Deus faz com que o homem seja declarado justo pelos méritos conquistados na cruz, implantando nele uma natureza nova, justificada e perdoada. Concomitantemente, disponibiliza os meios para que o justo seja repreendido e corrigido, sendo igualmente educado em Sua justiça.

Davi conclui o salmo 139 suplicando ao Senhor que o conduza exatamente como o apóstolo Paulo descreve aqui. Ele diz: “vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno”.

Deste modo, embora haja tantas outras formas de se adquirir uma boa educação a ponto de merecer destaque entre os homens de um modo geral, a utilidade da Escritura transcende às mais elevadas ciências e fornece ao justo a possibilidade de desenvolver em sua vida a verdadeira justiça seja na leitura que ele faz do mundo e de Deus, seja no caráter que se forma em seu interior como resultado desta educação recebida.

VIII – “a fim de que... seja” - ἵναᾖ- “utilizados em oração adverbial de propósito” . “No grego clássico normalmente expressa propósito, mas no Koiné frequentemente era usado para denotar resultado. O último sentido parece preferível aqui.”

Neste caso, embora a idéia de “propósito” não comprometa a conclusão a que se chegará, trabalhar com a idéia de “resultado” parece-me que dá uma força maior ao que se deve compreender. Principalmente, nesta época onde o pragmatismo se avulta e pressiona a igreja a obter “sucesso” a qualquer custo.

Estamos diante da clara indicação sobre a fonte onde se pode encontrar os elementos necessários para se ter uma vida que tenha algum significado no mundo, seguida de uma brilhante conclusão na eternidade.

Sendo assim, todo aquele que aspira uma vida feliz, de satisfação, contentamento etc., jamais procuraria tais objetivos fora da Palavra de Deus, considerando que somente ela estabelece os critérios inerrantes e infalíveis para ajustar o que o pecado danificou.

IX – “o homem de Deus..” - τοῦ θεοῦ ἄνθρωπος- toú theoú ánthropos – “Esta expressão indica o autêntico ministro de Cristo, alguém que recebera autoridade da parte de Cristo, por intermédio de Paulo, propagando seu evangelho e doutrina, em contraste com os falsos mestres, cujo ‘evangelho’ era falsificado.”

“Poderia designar os cristãos em geral, mas o contexto e o uso deliberado do singular confirmam que, como em I Tm. 6. 11, Paulo está pensando especificamente no líder cristão. Com a ajuda de um treinamento sadio na Escritura torna-se perfeitamente adaptado à sua tarefa, e pode enfrentar de modo firme as suas responsabilidades.”

Estes pensamentos estão em perfeita harmonia com o objetivo de Paulo ao escrever a Timóteo, pastor de uma igreja proeminente em sua época e com pouca experiência ministerial, tendo que enfrentar sérios problemas com o ensino herético propagado por falsos mestres.

Apesar disto, ao abrir o leque estendendo estas responsabilidades aos crentes em geral, não se desvirtua e nem deturpa a verdade contida no texto, uma vez que, embora se requeira dos ministros uma ética que seja considerada acima da “média”, não se está autorizando o crente em termos gerais a se acomodar com um perfil menos virtuoso do que aquele requerido de seus líderes. Basta lembrar que o Referencial deste é também o daquele, ou seja, Jesus é o padrão tanto de um quanto do outro.

X – “... perfeito...” – ἄρτιοςártios – “adequado, completo, capaz, suficiente, hábil para preencher todos os requisitos” , “capaz de satisfazer todas as exigências que lhe forem impostas como ministro de Cristo.”

Certamente as falhas de um ministro adquirem repercussão superior àquelas cometidas pelo crente de um modo geral; e isto deve ser levado em consideração.

Em certos casos, erroneamente, alguns chegam a pensar que podem tropeçar de muitas formas e inúmeras vezes sem que isto tenha alguma relevância, considerando que não ocupam nenhum lugar de proeminência na igreja e que, em decorrência disto, comumente a sociedade é mais tolerante com seus erros do que com os de seus líderes. No entanto, os que se encaixam neste perfil, se esquecem de que o crivo divino suplanta a qualquer julgamento humano e trata cada um com a responsabilidade que lhe é atribuída, disciplinando e corrigindo na proporção exata de seus erros.

Outro aspecto que se observa diz respeito à pouca importância que, em muitos casos, se dá às virtudes que um líder ou ministro evidencia em seu caráter e ministério (seus erros ocupam maior destaque), ao passo que é muito comum notar o modo como se disputa espaço na igreja para elevar certas virtudes individuais, até mesmo quando elas não existem, em busca e na dependência de realizar algo motivado por elogios, afagos, aprovação humana etc. De qualquer modo, em qualquer um dos casos, será sempre necessário lembrar que ambos são convocados a se apresentarem aprovados “perante Deus” e não sob os holofotes humanos, conforme nos é dito em II Tm. 2. 15: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.”

Ao lembrar que Cristo encerrou Seu ministério terreno dividindo espaço com dois malfeitores, por causa da injusta punição que recebeu ao ser submetido à pena de morte, ninguém em sã consciência, desejará ser embalado e conduzido pelos braços do homem. Seu objetivo é ser completo. Sua satisfação está em buscar este alvo supremo, nos termos postos em Ef. 4. 13, onde lemos: “até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo,”

XI – “... e perfeitamente habilitado...” - ἐξηρτισμένος- ecsertisménos – “completamente equipado, plenamente equipado, suprido.” , “equipar, terminar, completar, fornecer, receber aptidão para algum propósito específico. O homem de Deus deve ser equipado espiritualmente, através de sua dedicação a Cristo, mediante as Sagradas Escrituras.” Com a ajuda de um treinamento sadio na Escritura, o cristão torna-se perfeitamente adaptado à sua tarefa, e pode enfrentar de modo firme as suas responsabilidades.

O fato do verbo estar no “perfeito” indica uma ação que ocorreu no passado e cujos resultados prosseguem até o presente, ou seja, o texto afirma que o “homem de Deus” foi declarado justo, santificado, tendo, deste modo, recebido todos os elementos necessários para realizar o que dele é requerido.

A isto, acrescente-se a indispensável ênfase que se deve dar ao lugar que a Escritura ocupa nesta capacitação.

As considerações feitas anteriormente devem ser trazidas à memória como condição única que legitima e autentica esta “perfeição”, i.e., o aprofundamento no conhecimento das Escrituras e sua devida aplicação contínua na vida cristã devem ser tidos como elementos indispensáveis para que se possa estar enquadrado naquilo que é descrito aqui como “perfeitamente habilitado”.

Tudo o que se pensa e se pretende para a vida, baseado em meras experiências pessoais, em filosofias pluralistas e humanas, em particulares elucidações e qualquer outro tipo de convicção emanada dos arrogantes pressupostos de toda e qualquer ciência humana é totalmente nulo quando posto perante a autoridade bíblica e a sua capacidade de modificar o indivíduo bem como as suas obras.

Retire-se a Bíblia do homem e nada mais lhe restará que faça qualquer sentido em relação ao passado, ao presente e ao futuro, permitindo-lhe viver envolto em densas trevas maquiadas pelas infinitas fantasias que proporcionam as mais belas cores e formas a um mundo vazio, decadente, corrupto e corruptor, repleto de incertezas, cujas realidades se vislumbram perante a exposição da fragilidade humana, em suas múltiplas formas e pelo inevitável confronto com a morte.

Este estado não se aplica apenas aos que não dão qualquer importância à Palavra de Deus mas, também àqueles que, embora possuindo-a, ainda não conseguiram ir além daquele relacionamento superficial, onde o que se sabe é uma triste constatação de que, na verdade, nada se sabe sobre Deus e a Escritura.

XII – “... para toda boa obra.” - ἔργον ἀγαθὸν- érgon agathón – “bom, benéfico”, “manifestação, prova prática, trabalho”

O conceito geral que se tem sobre “bom” está aquém do sentido que o termo adquire quando está diretamente ligado às obras dos que foram regenerados pelo Espírito Santo e que se orientam pelas Escrituras em todas as áreas de sua vida.

Isto deve ser ponto passivo de qualquer discussão posto que Jesus afirma claramente que a natureza humana é má. Lembre-se de Suas palavras ditas no Sermão do Monte, em Mt. 7. 11, onde lemos: “Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas ao vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará boas cousas aos que lhe pedirem?”

É impossível ao homem comum assimilar esta verdade e pode ser confuso para alguns que se dizem transformados, crer desta forma. Entretanto, o mesmo Espírito que transforma é também o mesmo que dá sensibilidade para que se admita o terrível estado que o pecado ocasionou para toda a raça humana, de modo que, mesmo depois de receber uma nova natureza, o mal continua lá, fazendo oposição a tudo que provém de Deus, precisando ser anulado, conforme nos é dito pelo apóstolo Paulo: “Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena:...” Cl. 3. 5.

A isto acrescente-se que nossa justificação não está restrita ao ato de mudar a nossa condição perante Deus de condenados para salvos mas, tudo o que se faz a parti daí, adquire igual justificação; de outro modo, nenhuma obra poderia ser qualificada como “boa” e a possibilidade de condenação seria uma realidade constante. No entanto, ao preservar o Seu povo, conduzindo-o a salvo cada dia de sua vida, Deus está fazendo exatamente isto, ou seja, justificando suas obras, computando-as como boas, assim como está posto em Ap. 14. 13: “...: Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham.”

Associado a isto, é sempre bom lembrar daquela experiência vivida por Caim e Abel, quanto às ofertas que ofereceram a Deus. Em Gn. 4. 4 e 5. O relato bíblico nos mostra que a oferta de cada um estava relacionada ao estado do ofertante, ou seja, o Senhor não se agradou de Caim e de sua oferta, ao passo que de Abel se agradou e também de sua oferta.

Assim sendo, ainda que muitos avaliem as obras sem fazer as associações a que me refiro, não se questiona o fato de que as obras não são suficientes para salvar. Além disto, todo aquele que é justificado por Cristo, salvo pela graça, é chamado para realizar boas obras, como está posto em Ef. 2. 10, onde lemos: “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.”

Assim é o homem de Deus. Ele e mais ninguém foi habilitado para realizar boas obras. Ele é que recebeu uma natureza nova e também as condições para praticar obras que possam ser computadas por Deus como “boas”.

Por fim, reitero a afirmação de que as Escrituras são o instrumento fundamental e indispensável para que obedeçamos à nossa vocação e andemos em boas obras, sob a direção e a orientação do Espírito Santo.

CONCLUSÃO – Diante deste arrazoado, concluo apontando a questão primordial para que se modifique qualquer anomalia que se constate na igreja de nossa época.

Não necessitamos de outra reforma ou de algum reavivamento. Precisamos, sem qualquer sombra de dúvidas, saber onde caímos e retornar “à prática das primeiras obras” (Ap. 2. 5).

Com esta solução, aparentemente simples, é possível que o cristão e a igreja experimentem algo jamais conhecido em toda a sua existência, como resultado de um tratamento sério, reverente, responsável, cuidadoso, profundo e contínuo das Escrituras.

Isto compreendido e, considerando esta legítima preocupação, não haverá satisfação com qualquer tratamento superficial e leviano que se devote à Palavra de Deus. Pelo contrário, visando o próprio bem, aplicar-se-á a dedicar tempo, com prioridade, a investigar o que a Bíblia é e o que ela é capaz de realizar na vida do justo.
Seria muito bom que cada cristão fosse, verdadeiramente, um teólogo e demonstrasse isto, não por meio de exposições caracterizadas por linguagem rebuscada, oratória carismática, persuasiva e eloquente, títulos que precedem a reputação de quantos os possuem mas, por meio de uma vida marcada pela prática de boas obras, legitimação do grau de envolvimento com as Escrituras Sagradas.

Obviamente não precisamos nos preocupar com os gnósticos ou outros problemas quaisquer que marcaram a época de Timóteo; entretanto, de roupagem diferente e com tantas outras agravantes que surgiram ao longo da história, estamos diante de um quadro assustador o qual se constitui em grande desafio para quantos foram vocacionados para o sagrado ministério e convocados a defender a sã doutrina, mesmo que isto implique padecer os mais variados tipos de sofrimentos, perseguições e pressões que emanam de dentro e fora da igreja.

Que Deus seja gracioso para conosco e nos ajude a fazer o uso correto da Escritura, lembrando que a solução para todas as nossas questões se encontram nela e a nós compete envidar todo o esforço necessário para saber onde e como encontrá-la, sob a iluminação do Espírito Santo.

Rev. Marcos Martins Dias

OBS.: As notas de rodapé não estão inclusas por questões de formatação. Entretanto, relaciono, a seguir, as obras mais consultadas:

1. FUNDAMENTOS BÍBLICOS para MISSÕES - Série / "PREPARADO PARA TODA BOA OBRA", Linleigh J. Roberts
2. C.L.N.T.G., Fritz Rienecker, Cleon Rogers
3. PASTORAIS, Calvino, EP
4. I e II Timóteo e Tito - Introdução e comentário, J.N.D. Kelly
5. N.T.I.V.V., Champlin R.N. Editora Candeia
6. MANUAL BÍBLICO, Henry H. Halley, Edições Vida Nova

19 dezembro 2009

O AMOR NASCEU

“Nisto se manifestou o amor de Deus em nós, em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele.” I Jo. 4. 9


O amor é como a fé. Não pode ser visto e é muito mais do que aquela virtude que se encaixa no âmbito dos sentidos. Não há como descrever a experiência de amar e de ser amado, de experimentar o amor recebido e também oferecido.

Houve um curto período na história em que o amor materializou-se na medida em que Deus assumiu a forma humana. O que antes era invisível, embora há muito conhecido, agora era parte constituinte de Jesus. Poderia ser visto, ser tocado, ser ouvido, ser sentido. O amor se transformou em um de nós. Entretanto, não permaneceu em nosso meio. Sua incompatibilidade com a maldade e o terrível estado de pecaminosidade da raça humana resultou em seu sacrifício pela morte na cruz. O amor nasceu e também morreu. Todavia, antes de voltar para os céus, onde é o seu lugar, foi deixado para habitar entre os mortais. Mais do que isto. Para fazer parte deles.

De um modo misterioso e inexplicável, passou a integrar uma parte de nós de modo que, mesmo não sendo a essência, encontrou um lugar entre os elementos que compõem a frágil estrutura humana. Não aquela corrompida pelo pecado, consumida pelo ódio, que desconhece a paz, a humildade, a paciência, a misericórdia, a mansidão, o perdão, que não conhece Deus. Mas, uma natureza nova, recém nascida, gerada de novo, com os mesmos traços dAquele que se encarnou e em cuja essência está o amor.

Não se discute todas as qualidades inerentes a Jesus. Não se discute que seu nascimento foi a manifestação do verdadeiro amor. O que se constitui objeto de grande inquietação é a falta de provas claras de sua existência em muitos que dizem ter amor e saber o que é amar.

Quem há que não deseje ser amado? Entretanto, surge o dilema de desejá-lo mas, agir de um modo totalmente incompatível com tudo o que ele é e produz na vida daquele que, realmente, ama.

Urge o tempo de irmos além de comemorar a manifestação do amor. É preciso aprender a amar de verdade e provar que ele não está apenas entre nós. É preciso deixar bem claro que ele é parte inseparável de quem somos e, deste modo, provar dos mesmos benefícios constatados ao longo dos aproximados trinta e três anos em que Jesus demonstrou toda a diferença que ele é capaz de fazer, melhorando tudo e todos os que são afetados por ele e que vivem ao nosso redor.

Que a nossa vida seja uma prova cabal e constante de que há uma nova natureza em nós, feita por amor e habilitada para amar da mesma forma como também fomos amados e convocados a influenciar o mundo, demonstrando que não há qualquer sentido em viver quando não se sabe e não se pode amar.

Rev. Marcos Martins Dias

10 dezembro 2009

O LIVRAMENTO QUE EU NÃO PERCEBI

“..., eis que aparece um anjo do Senhor a José em sonho, e diz: Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito, e permanece lá até que eu te avise, porque Herodes há de procurar o menino para o matar.” Mt. 2. 13


Durante toda a história, desde a terrível queda de nossos primeiros pais, Satanás trabalhou incansavelmente objetivando impedir que os planos salvíficos de Deus fossem levados a efeito.
Isto se percebe nos registros do Velho Testamento e também do nascimento à morte de Jesus Cristo, através da qual cumpriu-se o que foi dito em Gn. 3. 15, onde Deus diz à serpente: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.”

Observe que, uma vez encarnado e exposto àquela fragilidade peculiar a todo recém nascido, Jesus foi livre das mãos de Herodes na instrumentalidade de José, o qual foi orientado a levar o Bebê e sua mãe para fora do alcance do rei que o procurava matar.

É maravilhoso observar o modo como Deus deu instruções precisas através do anjo, não apenas prevendo o mal mas, tomando as precauções necessárias a fim de proteger Seu Filho de ser alvo do massacre que atingiu todas as crianças com menos de dois anos de idade.

Estas medidas acompanharam Jesus ao longo de todo o Seu ministério, permitindo que tudo o que foi escrito a Seu respeito fosse cumprido sem qualquer intervenção humana e maligna.

Agora, vencido na cruz e nada mais podendo fazer contra Cristo e Seu ministério, enquanto aguarda sua derrota plena e definitiva, o inimigo volta-se contra a igreja criando situações a fim de provocar os maiores danos possíveis. E, mesmo na falta de um anjo que nos anuncie o mal que está por vir, Deus continua manifestando Sua providência, preservando-nos de incontáveis situações as quais não podemos computar. São livramentos imperceptíveis mas, constantes e indescritíveis, os quais uma vez manifestos poderiam causar um grande pavor.

Como agradecer os benefícios que recebemos sem saber? Admitindo que cada dia é um milagre realizado em nossa vida, resultante do cuidado que Deus nos tem, nos moldes registrados no Sl. 121. 4, 5, 7 e 8, onde lemos: “É certo que não dormita nem dorme o guarda de Israel. O SENHOR é quem te guarda; o SENHOR é a tua sombra à tua direita... O SENHOR te guardará de todo mal; guardará a tua alma. O SENHOR guardará a tua saída e a tua entrada, desde agora e para sempre.”

Graças a Deus que nos envolve com Sua graça e nos levará salvos para o lar celestial.

Rev. Marcos Martins Dias

03 dezembro 2009

A FÔRMA DA PERDIÇÃO

“E não vos conformeis com este século,...” Rm. 12. 2

É muito provável que este texto seja parte dos mais conhecidos da Escritura, particularmente por causa do versículo que o antecede, onde Paulo fala sobre o “culto racional”, invocado muitas vezes para tratar de múltiplas questões litúrgicas praticadas nas igrejas, as quais precisam estar alinhadas aos preceitos claramente estabelecidos por Deus sobre o culto.

Embora eu creia que o texto esteja tratando de algo bem mais abrangente, concordo que há algum grau de eficácia na interpretação básica e que se volta para certos desvios cúlticos caracterizados pela ausência do bom senso, pela presença de atitudes entusiásticas, mormente ligadas ao estado emocional, psicológico do “adorador” bem como de todo o clima que se forja na intenção de promover um “ambiente” favorável para uma sobeja “manifestação do Espírito”.

De acordo com os versículos iniciais do capítulo doze de Romanos, somos instruídos a oferecermos definitivamente, todo o nosso ser como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus e, assim, estaremos prestando o culto agradável a Ele.

Na sequência, somos responsabilizados a rejeitar todo tipo de acomodação ao presente século, uma vez que nossa natureza pecaminosa tem todos os traços daquele estado decaído herdado de nossos primeiros pais, levando-nos a desejar o que é mais fácil de se fazer, desprovido de qualquer esforço, que afaga o ego, que se encaixa muito bem na fôrma do presente século e caso esta velha natureza não encontre qualquer resistência em nós mesmos, o resultado óbvio é o estado de perdição e condenação em que são levados todos os que, “confortavelmente” avançam sob a ira e consequente reprovação de Deus.

Por isso mesmo, o apóstolo Paulo apresenta a única alternativa capaz de reverter este quadro desolador, ordenando que envidemos os esforços necessários para experimentar o processo de transformação resultante da divina presença em nós.
O que se requer está em perfeita harmonia com aquela metamorfose que faz da lagarta, uma linda borboleta. É abandonar a terrível imagem do homem decaído juntamente com suas práticas abomináveis e abraçar, continuamente as qualidades de Cristo, o padrão estabelecido para ser alcançado por nós.

É necessário, portanto, estar seguro de que Deus já fez a Sua parte, implantando no coração a rica semente que possibilita esse processo extraordinário. Isto considerado, nada mais resta a não ser abandonar dia a dia os moldes propostos pelo mundo e lutar inexoravelmente contra tudo que se levanta para impedir o avanço da nova natureza, ainda que em algum momento ou circunstância, tenhamos alguma sensação de desconforto decorrente da remodelação pela qual todos precisamos passar a fim de atingir a estatura de varão perfeito.

Que Deus nos ajude neste trabalho árduo mas, indescritivelmente magnífico.

Rev. Marcos Martins Dias